Educação de Jovens e Adultos como política pública no Brasil (2004 – 2010): os desafios da desigualdade e da diversidade
- Timothy D. Ireland
- n. 13 • 2012 • Instituto Paulo Freire de España
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Educação de Jovens e Adultos como política pública no Brasil (2004 – 2010): os desafios da desigualdade e da diversidade
Timothy D. Ireland,
Universidade Federal da Paraíba
Resumo
A alfabetização e educação de jovens e adultos se expressam em muitas políticas nacionais prioritariamente como escolarização compensatória ou equivalência para jovens e adultos que não acessaram a educação na idade considerada ‘própria’. No Brasil, no período de 2004 – 2010, com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), existe uma visível tentativa de desafiar as desigualdades enraizadas na estrutura sócio-econômica brasileira e de dialogar com a diversidade intrínseca da composição étnico-racial nacional, na medida em que se busca consolidar e institucionalizar a educação de jovens e adultos como política pública. Apesar de estratégias que procuram (a) articular a fase inicial do processo de alfabetização com a sua continuidade em programas escolares de equivalência, (b) criar novos programas de educação e formação para o trabalho, e (c) levar em conta as demandas de um novo ciclo de desenvolvimento sócio-econômico, o reflexo dessas estratégias nas estatísticas educacionais é limitado. Os dados apontam a necessidade de se efetivarem políticas de intersetorialidade, de investimento na qualidade da oferta e de desenvolvimento de novas estratégias e formatos para mobilizar a demanda latente.
Palavras-chave
políticas públicas, educação de jovens e adultos, aprendizagem e educação ao longo da vida, desigualdade, diversidade
Abstract
Youth and adult literacy and continuing education is expressed largely in many national policies as compensatory or equivalence schooling for young people and adults who have not accessed education at the ‘proper’ age. In Brazil, in the period 2004-2010, with the creation of the Secretariat for Continuing Education, Literacy and Diversity (SECAD), a visible attempt was made to challenge the inequalities rooted in the Brazilian socio-economic structure and to dialogue with the diversity intrinsic to the national ethnic-racial composition, whilst seeking to consolidate and institutionalize youth and adult education as a public policy. In spite of strategies which sought (a) to link the initial phase of the literacy process with its continuity in school equivalency programmes, (b) to create new programmes integrating education and work training, and (c) to take into account the demands of the new cycle of socio-economic development, the reflex of these strategies on educational statistics was limited. The data indicates the need to implement inter-sectoral policies, to invest in the quality of programmes offered and to develop new strategies and means for mobilizing the latent demand.
Key words
public policy, youth and adult education, lifelong learning and education, inequality, diversity
Prefácio: educação para todos ao longo da vida
“(...) reafirmo que a luta mais obstinada do meu governo será o combate à miséria. Isso significa fortalecer a economia, ampliar o emprego e aperfeiçoar as políticas sociais. Isso significa, em especial, melhorar a qualidade do ensino, pois ninguém sai da pobreza se não tiver acesso a uma educação gratuita, contínua e de qualidade. Nenhum país, igualmente, poderá se desenvolver sem educar bem os seus jovens e capacitá-los plenamente para o emprego e para as novas necessidades criadas pela sociedade do conhecimento”.
(Discurso da Presidente da República, Dilma Rousseff, em 10/02/2011)
Nos últimos 20 anos o mundo tem convivido com uma dualidade de discursos com relação às políticas de educação em geral, e de políticas de educação de jovens e adultos, em particular. De um lado, desde a II Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA II) em Montreal em 1960 e com mais ênfase a partir da Confintea III em Tóquio em 1972, o Relatório Faure (Learning to Be) de 1976 e a Recomendação de Nairóbi para o Desenvolvimento da Educação de Adultos do mesmo ano, os conceitos de educação permanente, educação continuada e educação ao longo da vida vêm ganhando mais visibilidade nos discursos educacionais. De outro, desde a Conferência Mundial de Educação para Todos em Jomtien (Tailândia) em 1990, o conceito e chamamento da Educação para Todos tem sido crescentemente utilizado para fundamentar as políticas da educação. Em princípio, embora complementares, na realidade os dois conceitos têm criado uma dualidade com impactos diversos sobre como se concebem as políticas nacionais de educação de jovens e adultos.
O princípio da educação permanente, que evoluiu para a educação ao longo da vida e que, por sua vez, se tornou aprendizagem ao longo da vida, propagou-se como um princípio organizador para toda a educação seja ela formal ou não formal. Nesse processo, a práxis da educação de jovens e adultos como componente integral da aprendizagem e educação ao longo da vida também adquiriu uma abrangência maior. Entretanto, o princípio da educação para todos que, em essência, estaria em completo acordo com a noção da aprendizagem ao longo da vida, na prática foi consistentemente reduzido para a dimensão escolar da aprendizagem ao longo da vida. Ao conter metas específicas para a educação de jovens e adultos, a própria EJA se expressa em muitas políticas nacionais prioritariamente como escolarização compensatória ou equivalência para jovens e adultos que não acessaram a educação na idade considerada ‘própria’, conforme mencionado anteriormente.
Essa dualidade terminou ganhando dimensões geográficas ou geopolíticas na medida em que a aprendizagem ao longo da vida foi crescentemente compreendida como uma expressão dos países industrializados do norte enquanto a educação para todos na sua vertente estritamente escolar foi associada às práticas de educação de jovens e adultos desenvolvidas nos países emergentes ou em vias de desenvolvimento do sul.
O Brasil não foi exceção a essa regra. Durante vários anos, especialmente na década de noventa e nos anos iniciais do novo século, as políticas de EJA se caracterizavam por ser fortemente escolares na sua orientação, priorizando a alfabetização entendida de forma bastante restrita. A partir da posse do novo governo do Presidente Lula em 2003, dois movimentos começam a ganhar força na política educacional: uma crescente institucionalização da EJA garantindo maior acesso a educação escolar ao longo da vida e uma tentativa tímida, embora palpável, de buscar estratégias políticas para fazer frente às gritantes desigualdades que caracterizam e deformam a sociedade brasileira e à diversidade que a enriquece – da pedagogia da homogeneização para a pedagogia da heterogeneidade. De um lado, a institucionalização democratiza o acesso à educação, mas tende a inibir o poder transformativo associado com aquela educação de jovens e adultos inspirada na pedagogia do oprimido de Freire. De outro, a tentativa de diversificar a oferta de acordo com a demanda dos sujeitos potencializa uma oferta mais em consonância com as circunstâncias das vidas quotidianas das pessoas, com o objetivo maior de formar uma sociedade mais justa. Assim, embora a âncora da política de EJA continue sendo profundamente escolar, há uma busca para diversificar as respostas em consonância com as necessidades de aprendizagem dos diversos segmentos da sociedade em desvantagem escolar.
Por esse motivo, entendemos que a política nacional de EJA está em transição de uma postura fortemente influenciada pela forma - alguns diriam equivocada - em que a educação para todos foi traduzida, para uma posição mais permeável a novas estratégias de aprendizagem. Não obstante, a análise dos dados do período 2004 a 2010 revela que, embora tenha havido avanços importantes nas formas de oferta de EJA, há resistência aos formatos mais tradicionais de alfabetização e educação escolar, possivelmente associada à dura realidade da desigualdade. Assim, argumentamos que a lenta queda dos índices de analfabetismo no período, a pouca articulação entre o Programa Brasil Alfabetizado e os programas de ensino fundamental ofertados pelos Estados, Distrito Federal e municípios, e a queda geral na matrícula na EJA exigem um repensar das atuais estratégias para jovens e adultos fora da escola.
Nesse nosso texto, pretendemos inicialmente apontar a importância conferida à educação como componente estruturante do processo de desenvolvimento atual capaz de fazer frente à perversidade da herança histórica brasileira de discriminação e desigualdade e contribuir para a empregabilidade e mobilidade social dos sujeitos do processo sem ignorar as suas limitações. Ao delimitar o período entre 2004 e 2010, o nosso interesse é analisar a política de EJA a partir do segundo ano do governo Lula, ano da criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD [1], que estabeleceu os eixos centrais da política dos seguintes sete anos. Para fins de análise, embora aludindo ao leque de programas implementados, concentraremos nos dois eixos principais da estratégia política – o Programa Brasil Alfabetizado – PBA e a modalidade escolar de educação de jovens e adultos equivalente ao ensino fundamental e ensino médio destacando o avanço que a criação da SECAD representou potencial-mente para o campo da EJA. Argumentaremos que, apesar de uma conjuntura favorável em que as condições legais e financeiras básicas foram conquistadas para o desenvolvimento da educação, os índices educacionais (analfabetismo, matrícula em EJA, e outros) e sociais não responderam da forma esperada aos esforços empreendidos. Os resultados dos principais programas do governo nesse campo suscitam uma interrogação sobre o rumo da política futura.
Por motivos de honestidade intelectual, faz-se necessário declarar que o autor não se considera como observador desinteressado das políticas sob análise. Como diretor do Departamento de Educação de Jovens e Adultos da SECAD/MEC que fui durante o período de 2004 a 2007, também me sinto responsável pelos rumos da política implementada nesse primeiro mandato do governo do presidente Lula.
Educação e desenvolvimento
No seu Relatório de Observação N. 4 (2011), o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES [2], dentre outros aspectos, (a) afirma que “a Educação é um direito de todos e deve ser adotada como prioridade estratégica para o desenvolvimento brasileiro”; (b) considera que a educação das pessoas para a vida e para o trabalho constitui o fator crítico que marca a diferença entre crescimento e desenvolvimento de um país, e (c) argumenta que a escolarização tem se tornado o veículo principal adotado pela sociedade para educar pessoas para a vida e o mundo do trabalho. Para o CDES:
A educação é estruturante do desenvolvimento, pela capacidade de articular políticas públicas pró-equidade, como saúde, cultura, esportes, de potencializar condições de acesso aos direitos, promovendo a cidadania e o desenvolvimento produtivo, de viabilizar a construção cultural para um novo padrão de consumo e convivência na sociedade, e de liberar os potenciais de criatividade e inovação para a produção sustentável de bens e serviços. Além disso, a urgência em inserir-se no processo global de transformação da sociedade pela economia do conhecimento torna imprescindível aproximar os conceitos de educação e da sociedade do conhecimento.
(2011, p. 21).
Assim, antes de tudo, a educação é compreendida com um direito subjetivo de toda e qualquer pessoa independente de outras variáveis, especialmente idade. O direito à educação é garantido pela Declaração Universal de Direitos Humanos e pela Constituição Federal brasileira de 1988. É considerado como o primeiro direito social no sentido de que abre portas para outros direitos humanos fundamentais. Ao mesmo tempo, a educação no seu sentido mais escolar tem sido crescentemente incumbida com a responsabilidade de preparar os cidadãos para participar da vida em sociedade e para o mundo do trabalho. Porém, para funcionar como um mecanismo distributivo de justiça e igualdade, a educação precisa operar numa sociedade que garanta a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. A própria existência de um sistema de educação escolar de jovens e adultos constitui uma prova cabal da inexistência dessas garantias. Portanto, embora a educação possa contribuir para a transformação das relações sociais, também contribui para a manutenção das mesmas. Nesse sentido, no contexto brasileiro, a educação continua gerando desigualdades ao distribuir desigualmente oportunidades e qualidade de serviços educacionais. Conforme o relatório do CDES, o sistema educacional tanto escolariza pessoas com insuficiências em aprendizagens fundamentais quanto expulsa estudantes precocemente.
Pesa sobre a educação – e, no nosso caso, a EJA – uma série de variáveis que contribuem fortemente para a distribuição de desigualdades: gênero, região, idade, renda, localidade (campo x cidade), etnia/cor, entre outras. Como veremos, essas variáveis exercem uma influência nociva sobre o acesso a oportunidades educacionais e, consequentemente, sobre os índices de analfabetismo e analfabetismo funcional, sobre o número de anos de estudo, sobre índices de abandono, retenção e repetência, evasão e sobre os resultados do processo de aprendizagem. Para a EJA poder contribuir de uma forma mais eficaz para diminuir as desigualdades existentes, a própria composição multifacetada dessas desigualdades requer políticas intersetoriais que, ao agir de uma forma articulada, possam contribuir para solapar os alicerces dessa desigualdade. O próprio Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social argumenta que tanto a política educacional quanto a política tributária, cujos efeitos sociais estão fortemente articulados, são consideradas como máquinas geradoras de desigualdades:
A estrutura tributária brasileira – regressiva no imposto de renda, omissa e inoperante no que concerne à taxação da riqueza e pouco transparente e irracional no caso das taxas sobre produção e consumo – é em si importante fator de desigualdade social. Dados do IPEA revelam que os mais pobres pagam 49 % de sua renda em impostos, enquanto os que ganham mais de 10 salários mínimos mensais contribuem com apenas 26% da sua receita. Proporcionalmente à renda, os pobres contribuem mais para custear a máquina estatal, em todos os níveis e setores de governo, do que os contribuintes de melhor situação econômica.
(2011, p.9).
Ao pagar esses tributos, os pobres terminam financiando serviços educacionais tais como ensino superior e educação básica privada aos quais dificilmente terão acesso.
Retratando as desigualdades: desafios para a EJA (2004)
Apesar dos enormes desafios a serem enfrentados em 2004, o governo contou com algumas condições objetivas favoráveis. Em primeiro lugar, a eleição do presidente Lula representou a consolidação da estabilidade política e dos processos democráticos no Brasil. A eleição de um operário como chefe de governo foi compreendido como um sinal de maturidade da jovem democracia brasileira. Em segundo lugar, após anos de índices alarmantes de inflação e hiperinflação e uma série de planos anti-inflacionários (Cruzado, Bresser, Verão, Collor, etc.) fracassados [3], o país estava entrando numa fase quase inédita de estabilidade monetária e fiscal. E, em terceiro lugar, apesar de tensões causadas pela macroeconomia mundial, a economia nacional conheceu um período de crescimento moderado parcialmente interrompido pela crise financeira de 2008. Os preços de ‘commodities’ no mercado internacional aliados à expansão da demanda do mercado local garantiram um período de estabilidade e otimismo econômicos incomuns na história contemporânea do país. Desse modo, o crescimento econômico propiciou as condições objetivas para um maior investimento em políticas sociais e, em especial, em educação, ao tempo em que as demandas do mercado por mão de obra qualificada criaram uma demanda potencial para investimentos em educação e formação de jovens e adultos frente a um quadro de índices educacionais nada animadores.
No campo estritamente educacional, de acordo com Haddad e Di Pierro (2006:254), “(…) se os avanços recentes na educação escolar de adultos no Brasil são fracos, o problema não reside na legislação, mas bem na maneira em que as políticas educativas foram conduzidas”. A Constituição Federal de 1988 garantiu o direito de todo cidadão à educação (art. 205) e afirmou a obrigação do Estado para ofertar ensino fundamental gratuito para todas as pessoas que a ele não tiveram acesso na idade própria (art. 208). Igualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN de 1996 reforçou o direito de pessoas jovens e adultas à educação, incluída como modalidade de educação básica que deveria se adequar “às necessidades e disponibilidades (dos jovens e adultos), garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; (...)” (art. 4º, VII). No campo do financiamento da EJA, embora uma fonte estável de financiamento de EJA não tenha sido estabelecida até a aprovação do FUNDEF em 2006, o programa conhecido como Recomeço, regulamentado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC), em março de 2001, que se tornou Programa Fazendo Escola em 2003, propiciava transferência de recursos por aluno matriculado em EJA principalmente para os Estados e municípios com IDH menor ou igual a 0,500 [4].
Por motivos políticos, a alfabetização de jovens e adultos foi, mais uma vez, artificialmente separada da educação escolar de jovens e adultos. O Programa Brasil Alfabetizado (PBA), criado pelo Decreto Presidencial de setembro de 2003 (No. 4834), sofreu uma séria de ajustes e modificações ao longo dos anos seguintes, visando em grande parte rearticular o programa com a EJA e, dessa maneira, garantir a continuidade de estudos aos educandos que retomaram a sua escolaridade por meio do PBA. Ao criar o programa, o Decreto garantiu uma fonte de recursos independente dos recursos destinados à modalidade de EJA.
Dados do IBGE (PNAD/IBGE, 2005) desse início do período em estudo mostram uma população em torno de 182 milhões. Desse total, 137.7 milhões tinham mais de 15 anos de idade e 34 milhões estavam na faixa etária de 15 a 29 anos. Desse mesmo segmento da população, 14.654.000 foram classificados como analfabetos (com menos de um ano de escolaridade) e mais 16 milhões possuíam menos de 4 anos de escolaridade, sendo considerados como analfabetos funcionais e, assim, constituindo-se um índice de 24,1% de analfabetismo funcional brasileiro. Acrescentando as 37 milhões de pessoas acima de 15 anos que não concluíram o ensino fundamental às pessoas analfabetas e funcionalmente analfabetas, chegamos à cifra de 68 milhões de brasileiros acima de 15 anos que não concluíram o ensino fundamental. Isto significa quase 50% da população total (acima de 15 anos). Na faixa etária de 15 a 24 anos, 12 milhões de jovens não concluíram o ensino fundamental e quase 2 milhões foram considerados analfabetos. Desnecessário comentar que os evidentes baixos níveis de escolaridade representam um grave obstáculo para a inserção de jovens na oferta de formação profissional: a baixa escolaridade e a carência na formação de habilidades básicas de leitura, escrita e matemática (CDES, 2011, p.40).
Outras variáveis indicadas acima, como localização, etnia, cor e renda também pesam nas estatísticas educacionais e no acesso equitativo dos jovens e adultos a oportunidades educacionais. A porcentagem da população analfabeta rural era quase três vezes maior que a da zona urbana – 25,8% contra 8,7% - embora o número total de pessoas analfabetas no campo fosse menor que o da cidade - 4,7 milhões contra 9,7 milhões. A tabela a seguir ilustra o viés regional que também influencia bastante na distribuição de oportunidades educacionais:
Tabela 1: Índice de analfabetismo para pessoas acima de 15 anos por locação geográfica -
Região |
Total |
Urbano |
Rural |
Brasil |
11.4 |
8.7 |
25.8 |
Norte |
12.7 |
9.7 |
22.2 |
Nordeste |
22.4 |
16.8 |
37.7 |
Sudeste |
6.6 |
5.8 |
16.7 |
Sul |
6.3 |
5.4 |
10.4 |
Centro Oeste |
9.2 |
8.0 |
16.9 |
Fonte: IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2005.
Na dimensão étnica, os dados evidenciam que a porcentagem de pessoas indígenas (18,1%) e negras (16%) consideradas analfabetas era bem superior à das pessoas brancas (7,1% da mesma forma que o índice de analfabetismo na região nordeste era bem superior do das outras regiões (22,4% no nordeste contra 6,3 % no sul).
Em termos sócio-econômicos, há uma nítida correlação entre analfabetismo e níveis de renda. Contudo, como Haddad (2002) afirma “os analfabetos não são pobres porque são analfabetos: são analfabetos porque são pobres”. Analfabetismo e pobreza são praticamente sinônimos e os dados comprovam também uma relação bem definida entre baixa renda, analfabetismo e região geográfica:
Tabela 2: Taxa de analfabetismo para a população acima de 15 anos de renda familiar per capita em salários mínimos – 2006
Regiões |
População analfabeta acima de 15 anos |
||||||||
Total |
Renda familiar per capita em salários mínimos(%) |
||||||||
Total |
Até 1 / 2 |
Entre 1 / 2 e 1 |
Entre 1 e 2 |
Mais que 2 |
|||||
Brasil |
14.391 |
10,4 |
17,9 |
13,7 |
6,5 |
1,3 |
|||
Norte |
1.142 |
11,3 |
15,1 |
13,1 |
6,8 |
2,4 |
|||
Nordeste |
7.595 |
20,8 |
24,9 |
23,7 |
13,5 |
1,9 |
|||
Sul |
3.667 |
6 |
10,1 |
9,5 |
5,1 |
1,2 |
|||
Sudeste |
1.179 |
5,7 |
10,4 |
8,8 |
4,6 |
1,1 |
|||
Centro Oeste |
808 |
8,3 |
12,7 |
11,7 |
6,6 |
1,4 |
Fonte: IBGE, PNAD 2006.
O índice de analfabetismo, por exemplo, entre as famílias mais pobres da região nordeste era 20 vezes maior que entre as famílias mais ricas. Com respeito ao viés de gênero, o índice de analfabetismo entre homens é marginalmente superior que o das mulheres (11.4% contra 11.1% para mulheres).
Por fim, a tabela 3 abaixo retrata o impacto da variável idade ou geração sobre índices de analfabetismo. O analfabetismo se concentra fortemente entre a população acima de 40 anos e de uma forma mais expressiva ainda na faixa etária dos 60 e mais anos. No passado essa concentração do analfabetismo entre a população idosa era usada como argumento para centrar investimentos na alfabetização e educação dos evidentemente mais economicamente ativos deixando “os velhinhos morrerem em paz”, nas palavras de Darcy Ribeiro (Haddad apud Paiva, s/d) [5].
Tabela 3: Brasil – Pessoas não alfabetizadas acima de 15 anos de idade, por sexo de acordo com faixas etárias.
Faixas etárias |
Total |
Homens |
% |
Mulheres |
% |
Total |
14.391.064 |
7.059.550 |
49,06 |
7.331.514 |
50,94 |
15-17 anos |
166.262 |
119.947 |
72,14 |
46.315 |
27,86 |
18-24 anos |
672.901 |
433.811 |
64,47 |
239.090 |
35,53 |
25-29 anos |
750.300 |
462.297 |
61,61 |
288.003 |
38,39 |
30-39 anos |
1.982.777 |
1.165.343 |
58,77 |
817.434 |
41,23 |
Mais de 39 anos |
10.818.824 |
4.878.152 |
45,09 |
5.940.672 |
54,91 |
Fonte: IBGE, PNAD 2006.
Um sinal da ineficiência do sistema escolar é o grande número de jovens na faixa etária de 15 a 29 anos que, apesar de terem tido melhores condições de acesso à escola que os seus país ou avós, ainda incorporam o universo dos analfabetos.
Frente ao total de quase 68 milhões de jovens e adultos brasileiros acima de 15 anos que não concluíram o ensino fundamental em 2004, somente 4.330.265 estavam matriculados em classes de EJA (ensino fundamental e médio) dos quais 1.530.275 frequentavam o primeiro segmento de ensino fundamental (Censo Escolar 2004). Dados do Sistema Brasil Alfabetizado registram 1.717.229 alunos alfabetizandos atendidos no ano de 2004. Assim, dos 68 milhões somente um pouco acima de 6 milhões ou 8,8% estavam envolvidos em algum programa formal de educação de jovens e adultos.
Desafios da diversidade e da inclusão
Embora o primeiro ano do governo Lula tenha devolvido a alfabetização para a agenda política após um longo período ausente e a coordenação das ações para o Ministério da Educação [6], o formato escolhido para atender aos 14.6 milhões de jovens e adultos que não sabiam ler e escrever foi a oferta de cursos de alfabetização de curta duração. Apesar dos ajustes feitos nos anos seguintes com o aporte de recursos adicionais, a concepção básica do programa não mudou e as dificuldades em articular a alfabetização com a sua continuidade em programas de EJA e com outras políticas públicas sociais do governo se mostraram complexas.
Em termos organizacionais, o Ministério de Educação sofreu uma reestruturação em 2004. A Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo, criada no ano anterior para formular e executar uma nova política de alfabetização [7] foi extinta e substituída, em 2004, pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD).
Com a criação da SECAD, o governo pretendia contribuir para a oferta de educação de qualidade - compreendida como garantia de acesso, permanência e aprendizagem para os segmentos da população historicamente negada dos seus direitos: as pessoas jovens e adultas analfabetas ou com baixos níveis de escolaridade, afro-brasileiros e quilombolas [8], a população rural, os povos indígenas, mulheres, adolescentes e jovens em situações de risco e vulnerabilidade social, a população carcerária, adolescentes e jovens cumprindo medidas sócio-educativas. Por meio do título com que se batizou a nova secretaria, buscou-se expressar os três principais eixos organizativos. “Educação continuada” apontava o foco de uma agenda educacional para jovens e adultos, que extrapolasse a noção de escolaridade formal e frisasse a perspectiva da aprendizagem ao longo da vida. “Alfabetização” indicava a prioridade política que o governo daria para as ações nesse campo como expressão de cidadania, lembrando que o Programa Brasil Alfabetizado era uma meta presidencial monitorada diretamente pela Casa Civil. Por fim, “Diversidade” sinalizava a busca de políticas inclusivas que respeitassem e valorizassem as múltiplas dimensões da diversidade étnico-racial, cultural, social, de gênero, ambiental e regional.
A SECAD era composta de cinco departamentos, um dos quais com a responsabilidade para a alfabetização e educação continuada de jovens e adultos. Constituiu-se como a primeira vez, desde 1964, em que o campo da educação de adultos recebesse um reconhecimento tão elevado dentro do Ministério da Educação. Ao longo dos três anos seguintes, houve esforço para, de um lado, fortalecer o programa Brasil Alfabetizado e articulá-lo de uma forma mais orgânica com os programas de EJA e, de outro, desenvolver mecanismos mais participativos de consulta e escuta na busca de um diálogo com os movimentos sociais (Machado, 2009, p.32-34).
Com relação ao PBA, os dados indicam um aumento no número de alunos atendidos pelo programa e dos recursos investidos:
Tabela 4: Programas Brasil Alfabetizado e Fazendo Escola: número de alunos atendidos e recursos alocados – 2003/2007
Ano |
Programa Brasil Alfabetizado: Número de alunos matriculados |
Recursos investidos (milhões de Reais) |
Fazendo Escola: Número de alunos atendidos |
Recursos investidos (milhões de Reais) |
2003 |
1,598,430 |
162,1 |
1,549,004 |
387 |
2004 |
1,526,155 |
167,1 |
1,834,235 |
420 |
2005 |
1,875,705 |
208,3 |
3,342,531 |
486 |
2006 |
1,609,446 |
180,3 |
3,327,307 |
498 |
2007 |
1.286,718 |
315 |
- |
- |
Fonte : MEC/SECAD - Mapa do Brasil Alfabetizado
A duração do programa, que era de seis meses, passou para oito. E, numa tentativa de melhorar a articulação entre alfabetização e continuidade, a proporção de recursos alocados para Estados e municípios aumentou, diminuindo-se a proporção da participação da sociedade civil na execução do programa:
Fonte: Sistema Brasil Alfabetizado (SBA)
Os dados na tabela 4 indicam um aumento anual nos recursos investidos em EJA e no número de alunos atendidos. Conforme mencionado acima, o programa Fazendo Escola incentivava a matricula em EJA por meio da descentralização de recursos inicialmente para os estados e municípios de baixo IDH. A partir de 2005, contudo, o programa passou a universalizar o apoio a todos os estados e municípios que apresentavam matrícula em EJA [9]. A resolução que instituiu essa mudança sinaliza a tentativa de articular os alunos matriculados no PBA com a matrícula em EJA.
No campo da articulação política, o departamento de EJA buscou estabelecer mecanismos regulares e sistemáticos de diálogo com representantes da sociedade civil organizada e dos governos estaduais e municipais. A Comissão Nacional de Alfabetização de Adultos (CNAA), instituída pelo Decreto no. 4.834 de 2003, foi redimensionada em 2004 com o advento da SECAD e se tornou a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), composta por representantes dos governos federal, estaduais e municipais, das agências internacionais, de instituições de ensino superior e da sociedade civil [10]. A CNAEJA possuía “caráter consultivo, de forma a assegurar a participação da sociedade no Programa, assessorando na formulação e implementação das políticas nacionais e no acompanhamento das ações de alfabetização e de educação de jovens e adultos” (Brasil, 2007, art. 14). Ao mesmo tempo, o departamento estabeleceu uma sistemática de reuniões bianuais com representantes dos Fóruns Estaduais de EJA [11] e com os Coordenadores Estaduais de EJA em que foram debatidas questões das políticas públicas de EJA.
No entanto, nem a prioridade à alfabetização e sua continuidade nem a existência de um departamento de educação de jovens e adultos, foram suficientes para garantir a coordenação dos outros programas de educação e formação profissional de jovens e adultos dentro do Ministério, nem em nível governamental como um todo. Em 2006, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), do MEC, criou seu próprio programa. Diversos outros ministérios também expandiram a sua oferta de programas com ênfase em conteúdos da educação não formal: os Ministérios de Trabalho e Emprego (MTE), Saúde (MS), Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), Desenvolvimento Agrário (MDA) e Justiça (MJ) bem como as Secretárias Especiais de Aquicultura e Pesca (SEAP) e Direitos Humanos (SEDH), e a Secretaria de Juventude (SNJ). Mas, embora com essa dificuldade de coordenação geral, tais iniciativas foram importantes. O que se argumenta aqui é que a ausência de um mecanismo de coordenação intersetorial e interministerial resultava, em certas instâncias, na duplicação de esforços e gastos e numa fragmentação de políticas governamentais.
Apesar dessa fragilidade, existiam outros sinais de uma compreensão mais aprofundada da importância de um conceito ampliado de alfabetização como o alicerce para outros processos de aprendizagem e como elemento fundamental da cidadania. Exemplos disso incluem a elaboração e distribuição de literatura preparada especificamente para o público de neoleitores [12] e de livros didáticos para alfabetização como parte de um programa parecido com os bem consolidados programas para ensino fundamental e médio [13]. O Plano Nacional para o Desenvolvimento da Educação (PDE), anunciado em 2006, incluiu a alfabetização de adultos como uma das suas 26 ações prioritárias. Talvez o avanço mais significativo tenha sido a inclusão da educação de jovens e adultos no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) enquanto que em 1997, a inclusão da EJA no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) foi objeto de veto pelo Presidente da República.
Situação atual: sinais preocupantes
No contexto geral da educação, houve avanços incontestáveis. No período de 2005 a 2010, o orçamento do MEC dobrou, chegando a R$60 bilhões, representando 3,9% do PIB em 2005 e totalizando 5,0% em 2009 (CDES, 2011, p. 16). No campo da alfabetização de jovens e adultos, foram investidos R$3 bilhões desde 2004, de acordo com a ONG Contas Abertas. Segundo o Ministro de Educação, Fernando Haddad, “Desde o governo Lula, não houve restrição orçamentária para o programa” (Folha de São Paulo, 16/05/2011). Para ele, o problema não está na oferta, mas na falta de demanda. Conforme indicado antes, a partir da criação do FUNDEB, o financiamento da EJA foi incluído junto com as outras modalidades de educação, embora com um peso menor (0,8) no valor das matrículas que o peso referência 1,0 atribuído às matriculas do ensino fundamental e de uma forma parcelada [14].
Concomitante ao crescimento do investimento, houve também a criação de uma série de novos programas direcionados à aprendizagem de segmentos específicos da população jovem e adulta, buscando atender à diversidade de demandas. O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) foi criado em 2005 com a missão de ofertar a educação profissional integrada à educação básica, inicialmente em nível de ensino médio e depois em nível de ensino fundamental [15]. O programa Saberes da Terra, lançado também em 2005, visava a oferta integrada entre formação em nível fundamental e qualificação social e profissional em agricultura familiar e sustentabilidade para jovens agricultores. A partir de 2007, o programa integrou-se ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), gestado pela Secretaria Nacional de Juventude, como Projovem Campo. O Projovem original foi lançado em 2005 com foco no público jovem entre 18 e 24 anos (depois ampliado para incluir jovens até 29 anos de idade) com baixa escolaridade e sem emprego formal. Oferecia um programa integrado de ensino fundamental, formação profissional inicial e ação comunitária. Ao longo do período foram incorporados, além do Projovem Campo, o Projovem Trabalhador, Adolescente e Prisional.
Por último, um projeto desenvolvido pelos Ministérios da Educação e Justiça com o apoio da UNESCO – Educando para a Liberdade – a partir de 2005 buscou reafirmar o direito a educação da população carcerária (em torno de 423.000) e melhorar a oferta de educação em prisões [16]. Ao reconhecer que esse segmento era em grande parte composto por jovens, pobres, com baixa escolaridade e pouca qualificação profissional, o projeto visava o estabelecimento de diretrizes nacionais para a oferta da EJA em prisões como parte integrada da modalidade de EJA e, consequentemente, com financiamento por meio do FUNDEB.
Em que pese o esforço de multiplicar as formas de atendimento, as iniciativas que continuavam atendendo a grande maioria dos jovens e adultos com baixa escolaridade era o Programa Brasil Alfabetizado e a modalidade de EJA em nível de ensino fundamental e médio. No intuito de solucionar a evidente dificuldade de articular os dois programas de uma forma mais eficaz e garantir a continuidade de estudos, o Ministério lançou em 2008 a Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos [17], incentivando e induzindo a implementação de Comissões Estaduais de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos incumbidas com as tarefas de planejamento e controle social, e de Comissões Estaduais de Informações sobre Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos responsáveis pela coleta de informações sobre a alfabetização e EJA no Estado para elaborar Planos Estaduais de Ação e Aplicação de execução das Agendas Territoriais. Apesar dos incentivos financeiros oferecidos pelo Governo por meio das resoluções do PBA, a implementação das Agendas tem sido problemática. Um documento de 2009 da SECAD reconhece que:
Objetivo importante da Agenda Territorial é a articulação entre o Programa Brasil Alfabetizado e a continuidade das aprendizagens ofertadas pela EJA, uma vez que duas preocupações centrais deverão ser enfrentadas pela Agenda Territorial: por que os egressos do Programa Brasil Alfabetizado não estão migrando para o primeiro segmento de EJA e por que tem diminuído o número de matrículas em EJA. Claro está que não basta observar, mas identificar as causas e planejar, na Comissão, com o apoio dos dados obtidos pelo Comitê técnico, estratégias capazes de buscar solução para estes dois problemas. (p.5)
O penoso processo de implementação da Agenda Territorial, com a missão central de contribuir para o fortalecimento de uma política que articule o processo de alfabetização com a continuidade na EJA, ainda não tem impactado sobre a efetividade desse processo, como corroboram os dados que passamos a apresentar.
No campo da alfabetização de jovens e adultos, houve, no período de 2005 a 2009, a redução de apenas 1,5% no índice de analfabetismo, apesar do Programa Brasil Alfabetizado ter atendido 9.281.663 educandos no mesmo período conforme a tabela abaixo. Lembramos que, em 2010, o Censo revelou a existência de quase 14 milhões de pessoas analfabetas.
Tabela 5: Atendimento ao PBA
Ano |
Nº Parceiros |
Nº Alfabetizandos Atendidos |
2005 |
642 |
1.966.132 |
2006 |
678 |
1.665.748 |
2007 |
1.141 |
1.394.236 |
2008 |
996 |
1.382.740 |
2009 |
1.317 |
1.872.807 |
TOTAL |
9.281.663 |
Fonte: SBA/SECAD/MEC
Apesar da prioridade dada à região Nordeste no PBA, os dados demonstram que o analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais de idade no Nordeste continuava sendo 3,4 vezes maior do que no Sul do país. A região concentra 52% dos analfabetos. O índice de analfabetismo entre pessoas com 65 anos ou mais, residentes no meio rural da região, registrava quase 72% da população total. Em 2009, o campo em geral ainda registrava 23% de analfabetismo contra 7% na área urbana. O indicador de cor/etnia apontou, para os brancos, uma queda de 7,2% para 5,9% enquanto o índice para pretos e pardos caiu de 16,3% para 13,4%, mas continuava sendo duas vezes maior que o índice para os brancos. O perfil abaixo demonstra a forte participação de pessoas pardas e negras no programa – representam 68% do total atendido em 2010.
No quesito da renda, os dados mantêm a forte correlação entre baixa renda e analfabetismo. A faixa de até dois salários mínimos concentrou 93% dos analfabetos que declararam rendimentos. Nesse período, de 2004 a 2009, houve um aumento de 12% no contingente da faixa etária de 65 anos ou mais. Com o envelhecimento da população, há uma tendência natural de se ter um perfil diferente da população analfabeta. O perfil dos educandos matriculados no PBA em 2010 resume essa tendência:
ZONA |
Gênero |
Raça/Cor |
Ocupação |
Faixa etária |
||||||||||
Rural |
Urbana |
Feminino |
Masculino |
Pardos |
Negro |
Branco |
Amarelo |
Indígenas |
Empreg. |
Desempreg. |
15-29 |
30-49 |
50-64 |
65 ou mais |
58% |
42% |
56% |
44% |
66% |
12% |
19% |
2% |
1% |
80% |
20% |
18% |
44% |
25% |
13% |
Fonte: MEC/SECADI, 2011 [18]
O programa tem atendido majoritariamente a faixa de 15 a 49 anos – 62%. As pessoas acima de 65 anos representam 13% das matriculadas embora sejam o segmento que mais concentra o analfabetismo. O mesmo perfil confirma a prioridade dada à população rural e a tendência de uma procura maior por parte das mulheres.
Assim, apesar da pequena redução no índice de analfabetismo no período, os dados gerais sobre o atendimento do Programa Brasil Alfabetizado nos últimos três anos (2008-2010) apontam várias fragilidades. A primeira e mais óbvia é a ineficácia relativa do programa. Nos três anos de 2008 a 2010 quase 50% dos educandos que concluíram o programa não se alfabetizaram. Dos que concluíram o programa com sucesso, somente 6% em 2008, 7% em 2009 e 10% em 2010 se matricularam nos sistemas municipais ou estaduais de EJA. Assim, o risco de uma regressão ao analfabetismo permanece iminente. Encontram-se nas salas de aula do PBA pessoas que já participaram de vários programas, campanhas e projetos de alfabetização ao longo dos últimos 40 ou 50 anos É amplamente aceito pela maioria de educadores que sem a continuidade do processo de alfabetização, corre-se o risco da aprendizagem inicial ser perdida, embora outros benefícios sejam conquistados – por exemplo, convívio social em ambiente salutar. Em outras palavras: participar de EJA não é, para a população, apenas uma questão de aprendizagem escolar, é muito mais que isso. O discurso da eficácia é que precisa ser revisto.
Tabela 6: Dados Gerais de Atendimento PBA 2008
Ciclo |
Adesão |
Atendimento |
Reinscritos |
Situação final |
|||
Não alfabetiza Do |
Alfabetizado e não matriculado na EJA |
Alfabetizado e matriculado na EJA |
Total |
||||
2008 |
1.115 |
1.322.765 |
____ |
274.32 (46%) |
286.223 (48%) |
35.904 (6%) |
596.450 (45%) |
2009 |
1.469 |
1.872.807 |
153.008 (8%) |
439.452 (51%) |
357.687 (42%) |
57.859 (7%) |
854.998 (46%) |
2010 |
1.443 |
1.551.295 |
260.321 (17%) |
145.888 (48%) |
128.173 (42%) |
28.694 (10%) |
302.755 (20%) |
Fonte : MEC/SECADI, 2011 [19]
Complementando os dados sobre os egressos, os dados sobre o número de matrículas da Educação de Jovens e Adultos por etapa de ensino no período entre 2007 e 2010, revelam não somente uma constante queda em todos os segmentos, confirmando, de um lado, a débil articulação entre a alfabetização e a continuidade e, de outro, sugerindo que o tipo de escolaridade em oferta não cria uma demanda. Nesse período o número de matrículas se reduz em 14,9% e o número de escolas municipais e estaduais oferecendo EJA também registra uma queda de 7,3% (de 42.753 escolas em 2007 para 39.641 escolas em 2010). E é precisamente no primeiro segmento de ensino fundamental onde a demanda deve ser maior, que a queda é mais visível. Existe um descompasso entre a oferta atual e a demanda potencial. Em 2009, o Brasil possuía uma população de 57,7 milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequentavam a escola e não tinham o Ensino Fundamental completo (PNAD/IBGE 2009). Por nível, a alfabetização registra uma taxa de aproximadamente 10% de atendimento, mas lembrando que, em 2010 por exemplo, 17% dos educandos matriculados no programa eram reinscritos. No Ensino Fundamental o atendimento representa em torno de 7,5% da demanda potencial e no Ensino Médio cerca de 7,6%.
Tabela 7 – Número de Matrículas da Educação de Jovens e Adultos por Etapa de Ensino
Brasil: 2007 – 2010
Ano |
Matrículas na Educação de Jovens e Adultos por Etapa de Ensino |
||||
Total Geral |
Ensino Fundamental |
Ensino Médio |
|||
Total |
1ª a 4ª série |
5ª a 8ª série |
|||
2007 |
4.975.591 |
3.367.032 |
1.160.879 |
2.206.153 |
1.608.559 |
2008 |
4.926.509 |
3.291.264 |
1.127.077 |
2.164.187 |
1.635.245 |
2009 |
4.638.171 |
3.090.896 |
1.035.610 |
2.055.286 |
1.547.275 |
2010 |
4.234.956 |
2.846.104 |
923.197 |
1.922.907 |
1.388.852 |
Fonte: MEC/Inep/DEED
Notas:
- Inclusive 231.213 matrículas de EJA presencial de 1ª a 8ª série em 2007.
- O mesmo aluno pode ter mais de uma matrícula.
- Não inclui matrículas em turmas de atendimento complementar.
- Não inclui matrículas na EJA integrada à educação profissional de nível fundamental e médio.
Balanço final e desafios
Ao analisar a política nacional de EJA, faz se necessário situar a EJA no conjunto da política nacional de educação. Em termos gerais, a EJA, na sua expressão escolarizada, passou por um processo de institucionalização vista da ótica de sua normatização (arcabouço legal) e de seu financiamento, tornando-se parte da oferta regular de educação. Nesse sentido, as estruturas garantem a possibilidade da pessoa jovem ou adulta continuar os seus estudos formais de educação básica em qualquer fase da sua vida. Permanecem questionamentos sérios sobre a qualidade da oferta e sobre a sua relevância social. Os altos índices de abandono e evasão são indicativos dessa fragilidade. A questão da formação do educador de adultos, os conteúdos, o tipo de oferta e os materiais didáticos são destacados como evidência da inconsistência da oferta. Lembramos que a demanda potencial para EJA (jovens e adultos acima de 15 anos sem ensino fundamental completo) é superior ao número total de alunos atualmente atendidos no ensino básico regular.
Houve, também, importantes esforços de dar prioridade para regiões e espaços geográficos – o nordeste e o campo – que registravam os piores índices educacionais. Para atender a diversidade de demandas, criaram-se programas para distintos segmentos da população (jovens agricultores, pescadores, ribeirinhos, quilombolas, mulheres, pessoas privadas de liberdade, jovens infratores) e para faixas etárias específicas (juventude). Ao mesmo tempo, a urgência de se enfrentar a dupla necessidade identificada da escolaridade e da formação para o mundo do trabalho de uma forma integrada foi encarada por meio do PROEJA.
Contudo, a experiência com o programa Brasil Alfabetizado e a modalidade de EJA mostra, de um lado, a dificuldade de articular programas que nascem separados e, de outro, a limitação de uma política de oferta sem atenção para a necessidade de uma estratégia de mobilização. A ineficácia dos dois programas sugerida pelos altos índices de evasão, abandono e baixos níveis de aprendizagem e pela queda no número de matrículas indica a necessidade de se avaliar tanto os formatos dos programas, como os próprios conteúdos. Ao buscar contribuir para a superação de desigualdades, a EJA – como a educação em geral - às vezes reforça essas desigualdades ao oferecer uma educação de duvidosa qualidade para as pessoas das camadas mais pobres da população.
A capacidade de contribuir de uma forma mais efetiva à superação de desigualdades dependerá de pelo menos três fatores. Primeiro, estratégias e formatos que mobilizem a demanda latente. Segundo, a qualidade dos programas ofertados. Nesse quesito, as universidades desempenham um papel fundamental na formação de bons educadores. E, terceiro, a efetivação de políticas de intersetoralidade que articulem políticas sociais cujos sujeitos são muito parecidos. Ao mesmo tempo, a política de educação de jovens e adultos enfrenta o desafio de ir além de uma visão escolar da educação ao longo da vida e reconhecer a necessidade e validade de outros espaços e formatos de aprendizagem. Além de aproveitar as condições favoráveis propiciadas pelo crescimento econômico, há de se aproveitar a ‘janela’ criada pela atual estrutura demográfica em que a população economicamente ativa é maior que a soma dos segmentos infanto-juvenil e idoso. Voltemos para o início da afirmação da Presidente Dilma que “Nenhum país (...) poderá se desenvolver sem educar bem os seus jovens e capacitá-los plenamente para o emprego e para as novas necessidades criadas pela sociedade do conhecimento”, reforçando a necessidade de aprofundar a prática da educação de jovens e adultos ao longo e ao largo da vida como pré-requisito para um processo de desenvolvimento em que todos e todas participam por igual.
Referências
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Brasil. 1996. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9394/96.
Brasil. Decreto Nº 6.093, de 24 de abril de 2007.
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UNESCO. Relatório Global sobre Aprendizagem e Educação de Adultos. Brasília: UNESCO, 2010.
[1] Em 2011, a SECAD se tornou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI, incorporando a antiga Secretaria de Educação Especial.
[2] O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) foi criado pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que estabelece que “ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social compete assessorar o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes específicas, e apreciar propostas de políticas públicas, de reformas estruturais e de desenvolvimento econômico e social que lhe sejam submetidas pelo Presidente da República, com vistas na articulação das relações de governo com representantes da sociedade”.
[3] Ver Leitão (2011).
[4] Resolução CD/FNDE no. 10, de 20 de março de 2001.
[5] Frase usada por Darcy Ribeiro no Congresso Brasileiro de Educação, em São Paulo, em 1989. Quando Secretário Extraordinário de Educação, no Rio de Janeiro, durante o Governo Brizola, criou o Programa de Educação Juvenil – PEJ, em 1985, que atendia apenas a jovens de 15 a 25 anos.
[6] Lembramos que tanto o MOBRAL quanto o EDUCAR e o programa Alfabetização Solidária, os predecessores do PBA, não foram coordenados pelo MEC embora recebessem recursos do seu orçamento.
[7] Segundo o então Ministro da Educação, Cristovam Buarque, a meta da nova secretaria era ter 100% dos brasileiros alfabetizados até 2006. O analfabetismo foi compreendido como uma ‘vergonha nacional’.
[8] Comunidades formadas no passado por escravos fugitivos.
[9] Resolução CD/FNDE no. 25 de 16 de junho de 2005.
[10] A composição mais recente da CNAEJA, formada por 17 representantes, foi estabelecida pela Portaria no. 602, de março de 2006.
[11] O impulso inicial para a criação dos Fóruns Estaduais de Educação de Jovens e Adultos veio do processo de mobilização preparatória para a V CONFINTEA em 1996. O Estado do Rio de Janeiro foi o pioneiro e ao longo da próxima década todos os estados e o Distrito Federal fundaram os seus Fóruns Estaduais. Vários estados criaram fóruns regionais para democratizar o acesso a esse ambiente de debate em torno das políticas públicas de EJA.
[12] Em 2005, o MEC instituiu o concurso nacional de Literatura para Todos como meio para incentivar a produção de uma literatura para novos leitores. Mas de 3.000 obras foram encaminhadas para os oito prêmios do I Concurso.
[13] O Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA) foi estruturado em 2007 e iniciou a distribuição de livros para todos os alunos matriculados no Programa Brasil Alfabetizado em 2008.
[14] As matrículas em EJA entraram de uma forma parcelada no FUNDEB: 33% em 2007; 66% em 2008 e 100% em 2009.
[15] PROEJA Formação Inicial e Continuada – Ensino Fundamental, conhecido como PROEJA – FIC.
[16] Ver: UNESCO (2006).
[17] Reunião Técnica da Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, realizada de 8 a 13 de dezembro de 2008, em Natal-RN. De acordo com o MEC, a Agenda Territorial objetivava “firmar um pacto social, para melhorar e fortalecer a educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil”.
[18] Apresentação da DIRETORIA DE POLÍTICAS DE ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, da MEC/SECADI, durante o XII ENEJA, realizado em Salvador/BA em 21/09/2011.
[19] Idem.