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vol 34 • 2023

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Células de Consumidores Responsáveis: universidade pública e atores/as sociais rurais e urbanos na construção de inovações sociais em torno do agroalimentar

Células de Consumidores Responsáveis: universidade pública e atores/as sociais rurais e urbanos na construção de inovações sociais em torno do agroalimentar

Marina Carrieri de Souza, Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina e no Programa de Pós-graduação em Agrifood and Environmental Sciences da Universidade de Trento (IT) ; Adevan da Silva Pugas, Doutorando do Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas , Universidade Federal de Santa Catarina; Oscar José Rover, Universidade Federal de Santa Catarina

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Abstract

O artigo analisa a experiência das Células de Consumidores Responsáveis enquanto uma inovação social, resultado da articulação de uma diversidade de atores/as, aqui referidas enquanto uma rede de cidadania alimentar. Para tanto, discorremos sobre seu desenvolvimento e seu impacto em termos de resultados e sujeitos envolvidos, enfatizando a atuação da universidade pública, representada pelo Laboratório de Comercialização da Agricultura Familiar, na interlocução e na mobilização de diversos atores/as rurais e urbanos com vistas a gerar aproximação entre as esferas da produção e do consumo. Como resultado deste processo, temos a crescente articulação a partir da ação colaborativa entre distintos atores/as, imbuídos no atendimento às necessidades sociais, especialmente mercados justos e estáveis pelos agricultores/as e de acesso a alimentos de qualidade pelos consumidores/as.

Keywords:

Novas relações produção-consumo; Soluções inovadoras; Cidadania agroalimentar; Agroecologia.


Introdução

Frente à problemática de um sistema agroalimentar global que tem suprimido a autonomia econômica e decisória de agricultores/as e consumidores/as (Van der Ploeg, 2008), têm surgido movimentos que atuam localmente na busca de soluções que conferem resistência, e constroem novas possibilidades para o agroalimentar (Renting et al.2012). Muitas destas soluções se constroem através da ação coletiva, mobilizando a atuação de uma diversidade de atores/as. Segundo Ximenes (2008), comunidades onde os indivíduos interagem mais e em que a rede de relações sociais está bem integrada, tendem a superar as suas limitações com mais facilidade, tirando maior proveito das oportunidades que favorecem a elaboração de estratégias e ações coletivas, aumentando o poder de escolha e de decisão dos envolvidos.

Estas estratégias têm orientado pela busca por novos arranjos de produção, distribuição e consumo de alimentos de qualidade superior, tais como os orgânicos, artesanais, tradicionais, agroecológicos etc. (Wilkinson, 2008). A valorização desses produtos tem aumentado diante da crescente desconfiança dos/as consumidores/as no sistema agroalimentar global, resultado de vários escândalos de saúde envolvendo corporações alimentares. É nesse contexto que tem sido revalorizado os chamados circuitos curtos de comercialização (CCC), que representam formas comerciais que materializam a aproximação e o encurtamento das distâncias e relações entre as esferas da produção e do consumo, incorporando recentemente novas tecnologias e arranjos organizativos (Aubri & Chiffoleau, 2009; Brandenburg, 2002; Rover & Darolt, 2021).

É possível compreender estes novos arranjos organizativos como inovações sociais, especialmente pela compreensão de que essas iniciativas representam uma resposta a processos de exclusão do sistema agroalimentar global, que estabelecem novas e melhoradas formas de atender a necessidades sociais (Moulaert et al., 2013). Além disso, elas aproximam agricultores/as e consumidores/as em variadas formas de cooperação que desencadeiam mudanças nas relações de poder, propiciando a satisfação de necessidades não alcançada pelas necessidades convencionais (Abreu & André, 2006; Rover & Darolt, 2021). Esta perspectiva teórica nos permite compreender em quais contextos e condições tais arranjos organizativos emergem e se consolidam, respondendo de forma efetiva a problemas enfrentados pelos/as atores/as sociais.

Complementarmente, se vem apontando a importância da articulação de atores/as em redes para o encadeamento de iniciativas inovadoras em torno de circuitos curtos de comercialização (Souza et. al.,2021) posicionando tais inovações enquanto resultado da atuação de redes de cidadania agroalimentar (RCA). Este conceito enfatiza o papel e engajamento dos/as atores/as da sociedade civil organizada na construção de sistemas agroalimentares mais justos e sustentáveis, por meio da promoção dos circuitos curtos de comercialização que aproximam consumidores/as e agricultores/as (Renting et al.,2012). Ximenes (2008) evidencia a importância da ação de agentes externos na formação de redes, facilitando a interação entre conhecimento técnico-científico e o diálogo de “saberes”, elementos de conexão que diminuem os riscos e as incertezas nos processos de tomada de decisões. Nesta perspectiva, a universidade pública teria potencial de atuar como um agente articulador e dos conhecimentos na construção de inovações e na articulação de redes visando o interesse coletivo.

Um exemplo da atuação da universidade na formação de inciativas de circuitos curtos de comercialização é a Células de Consumidores Responsáveis (CCR). A experiência criada pelo Laboratório de Comercialização Familiar (LACAF) [1], vinculado a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), compreende um arranjo comercial que organiza grupos de consumidores/as para a aquisição de alimentos orgânicos/agroecológicos diretamente de grupos de agricultores/as do entorno de Florianópolis-SC (Brasil). Este trabalho analisa a experiência das CCR enquanto uma inovação social, resultado da articulação de uma diversidade de atores/as, aqui referidas enquanto uma RCA. Para tanto, apresentamos o papel dos/as atores/as na construção da iniciativa, enfatizando a atuação fundamental da universidade pública na interlocução entre as esferas da produção e do consumo. A pesquisa compreende um estudo de caso, no qual utilizamos enquanto ferramenta de coletas de dados a observação participante junto à CCR e o acesso a dados secundários e análises de documentos do LACAF.

Dimensões analíticas da inovação social e o papel das redes de cidadania agroalimentar

Para André & Abreu (2006) inovações sociais são uma resposta nova e
socialmente reconhecida que visa e gera mudança social, ligando simultaneamente três atributos: (i) satisfação de necessidades humanas não atendidas por via do mercado e da atuação do estado; (ii) promoção da inclusão social de grupos em vulnerabilidade; e (iii) capacitação de agentes aumentando sua capacidade de agir.

Complementarmente, André & Abreu (2006), destacam que a inovação social, para além do aspecto mercantil característico das inovações em geral (Bignetti, 2011), tem um caráter coletivo e uma intenção que não só gera, mas também visa transformações sociais. Para os mesmos autores, inovação social assume maior relevância no âmbito dos processos do que no âmbito dos produtos, pois entre os atributos associados a inovação social está a inclusão social, a capacitação dos agentes mais “fracos” e a mudança social como transformação das relações de poder.

Os estímulos à produção de inovações sociais estão comumente relacionados com a necessidade de vencer adversidades e riscos e complementarmente, ao aproveitamento de oportunidades e necessidade de responder a desafios (André & Abreu, 2006). Estes aspectos geralmente são compartilhados por um grupo de atores/as, e referidos enquanto necessidades sociais (Lins, 2019).

As condições que permitem e favorecem a emergência de inovações sociais estão ligadas aos recursos necessários ao processo e à consolidação e difusão da inovação, sendo os recursos humanos um elemento fundamental (Moulaert et al., 2013; Mulgan, 2006; Neumeier, 2012). Para André & Abreu (2006) estes recursos estão comumente ligados a presença quase constante de agentes altamente qualificados, que pelo menos numa primeira fase, fazem avançar o processo (Neumeier, 2017). Nessa perspectiva, a análise de redes de atores/as compreende abordagem fértil para o estudo destes processos sociais, considerando que elas são formas de pensar sistemas sociais com foco na relação entre entes que formam o sistema, onde a articulação entre os/as atores/as, através de diversos fluxos, os fortalece reciprocamente (Borgatti et al., 2013).

No que diz respeito ao sistema agroalimentar, as redes de cidadania agroalimentar são articulações de atores/as diversos, tais quais instituições públicas, organizações sociais, agricultores/as e consumidores/as, que atuam por meio da aproximação e construção de entendimentos e objetivos comuns em termos de projetos de agricultura e alimentação, geralmente orientados pela busca de sistemas agroalimentares mais sustentáveis (Renting et al., 2012; Anjos & Caldas, 2017). Estas redes agroalimentares, nas suas diferentes variedades e contextos, estão contribuindo para novas estratégias e políticas alimentares (Portilho & Barbosa, 2016; Renting et al., 2012). Uma das principais estratégias compreende o fortalecimento das iniciativas de circuitos curtos de comercialização, como forma de aproximar os elos da produção e do consumo promovendo maior participação desses/as atores/as (democracia alimentar) e o acesso tanto dos/as agricultores/as a mercados quanto dos/as consumidores/as a alimentos de qualidade superior.

Souza et al.(2021) evidenciaram o papel das organizações e instituições atuando na construção de inovações sociais no sistema agroalimentar, por meio da atuação em rede, e fortalecendo circuitos curtos de comercialização (CCC) na Região da Grande Florianópolis (RGF), no Sul do Brasil. Para Rover e Darolt (2021) muitos CCC são inovações sociais que representam novos modelos de colaboração e participação onde a sociedade civil organizada se articula em redes para gerar uma performance específica e autossustentável.

Miranda et al.(2021) identificaram, também na Região da Grande Florianópolis um conjunto de iniciativas, organizações e instituições atuando na promoção de mudanças nas relações de produção consumo e configurando-se como uma RCA. Souza et al.(2021) identificaram neste território que iniciativas de CCC surgiram a partir do trabalho em rede com organizações e instituições e destaca o protagonismo dos/as atores/as rurais organizados, neste processo. Na próxima seção apresentamos a iniciativa das CCR, uma das inovações sociais emergidas a partir da rede de atores/as que atuam na RGF.

A experiência das Células de Consumidores Responsáveis (CCR): uma inovação social em torno da aproximação entre produção e consumo

As CCR compreendem um arranjo organizacional para a compra e venda direta de alimentos orgânicos/agroecológicos entre consumidores/as organizados/as coletivamente e grupos de agricultores/as. A ausência de intermediários tanto favorece a/aos consumidores/as que acessam produtos de qualidade a preços acessíveis, quanto a/aos agricultores/as que obtém maiores rendimentos na venda de seus produtos (Escosteguy et al., 2018).

A iniciativa teve início a partir de um projeto do LACAF [2], e inspirou-se na iniciativa italiana dos Grupos de Compras Solidárias (Gruppi di Acquisto Solidale) , assim como outras experiências ao redor do mundo [3]. A inovação em relação a outras experiências constitui a adoção de um ponto único para retirada dos produtos, acessado por todos/as os consumidores/as vinculados à iniciativa. Um único local para entrega reduz os custos com o transporte, que consequentemente reduz os preços de produtos, facilitando o acesso por parte dos/as consumidores/as (Miranda et al., 2021).

A iniciativa funciona a partir de cestas de alimentos com preços e pesos fixos. No início de cada mês, os/as consumidores/as realizam o pagamento de um valor referente ao número de cestas a serem entregues semanalmente. Eles/as não escolhem quais produtos receberão, mas possuem garantia de uma diversidade mínima de folhosas, frutas, legumes, raízes e temperos/chás [4]. A comunicação entre consumidores/as e agricultores/as ocorre a partir de linhas de transmissão e grupos de WhatsApp. A cada semana, a coordenação dos/as agricultores/as encaminha uma lista com os produtos que irão compor as cestas, e também uma lista de alimentos adicionais, os quais os/as consumidores/as podem complementar a cesta da semana (Pugas et al., 2021).

A manutenção e limpeza dos pontos de entrega são de responsabilidade dos grupos de consumidores/as. Estes locais de partilha geralmente são associações, instituições públicas, escolas, dentre outros espaços públicos e privados. Atualmente são 13 CCR, distribuídas em bairros dos municípios de Florianópolis/SC e São José/SC, sendo que três iniciativas estão dentro da Universidade Federal de Santa Catarina. Quando os/as consumidores/as não buscam nos locais de partilha, suas cestas são doadas a pessoas em vulnerabilidade social.

Todos os grupos de agricultores/as que abastecem as CCR são certificados pela Rede Ecovida de Agroecologia. A Rede representa um conjunto de organizações sociais (dentre elas ONGs, agricultores/as e até consumidores/as) e instituições públicas, e foi criada em 1998 com o intuito de promover a agroecologia e a agricultura familiar. A estratégia por favorecer coletivos justifica-se pela busca de escala e diversidade de produtos essenciais em inciativas de comercialização de alimentos. Mas também pela intensificação dos vínculos entre os/as agricultores/as a partir das relações de cooperação de são empreendidas no abastecimento das iniciativas.

As 13 iniciativas existentes são abastecidas por 06 grupos de agricultores/as de vários municípios (Figura 1) [5]. Desde sua criação a iniciativa têm aumentado número de agricultores/as e consumidores/as envolvidos/as. Ao todo as experiências atendem mais de 500 consumidores/as mensais, abastecidos/as 60 famílias agricultoras. No ano de 2021, foram comercializadas 25.304 cestas de alimentos orgânicos/agroecológicos, que somado aos produtos adicionais totalizam aproximadamente 200 toneladas de alimentos (LACAF, 2022).

As CCR são arranjos inovadores que se enquadram como inovações sociais, atendendo os critérios citados por Abreu & José (2006), que são a i) busca pela satisfação de necessidades não atendidas via os mercados, ii) a promoção de inclusão social, iii) e de capacitação de agentes gerando transformações nas relações de poder.

Apesar de se tratar de uma ação mercadológica, trata-se de uma construção social que se distingue, ao estabelecer novas relações que satisfazem necessidades não atendidas mercados agroalimentares convencionais. A primeira necessidade atendida diz respeito ao acesso a alimentos orgânicos/agroecológicos a preços mais acessíveis em relação aos praticados nos varejos convencionais, especialmente nos supermercados (Grade & Mergen, 2020). Esse aspecto ficou evidente em pesquisa que identificou que 24% dos/as consumidores/as da iniciativa nunca haviam consumido alimentos orgânicos antes, indicando que houve ampliação do acesso a alimentos orgânicos (Miranda et al., 2020).

Além disso, a iniciativa torna possível que os/as consumidores/as conheçam a origem dos alimentos e as condições nas quais eles são produzidos. Ademais, favorece a promoção da inclusão social, que ocorre na medida em que agricultores/as e consumidores/as conseguem estabelecer papeis mais ativos e autônomos na compra e venda dos alimentos.

A capacitação de atores/as ocorre pelas CCR oportunizarem a construção de laços de proximidade entre consumidores/as e agricultores/as, criando espaços de socialização e intercâmbio de conhecimento. As interações ocorrem nos grupos de WhatsApp, nos pontos de partilha e nas reuniões de avaliação e gestão. Além destes espaços, periodicamente são organizadas visitas de consumidores/as a propriedade dos/as agricultores/as. Nas visitas, famílias consumidoras são recebidas pelos/as agricultores/as, e têm a oportunidade de conhecer as pessoas que cultivam seus alimentos, os locais e as condições de produção, os modos de vida das famílias agricultoras.

O acesso a informação e possibilidade ne negociação direta gera transformação nas relações de poder, por meio da eliminação de intermediários que, nas cadeias longas, possuem maior poder de negociação e, porque gera aprendizados que possibilitam maior autonomia para agricultores/as e consumidores/as,

Nas CCR, os/as consumidores/as se comprometem com a compra mensal dos produtos ao realizar o pagamento antecipado, deste modo, os/as agricultores/as possuem garantia de venda naquele mês e podem organizar melhor a sua produção. Este modelo diminui o desperdício de alimentos na produção a campo, pois permite maior planejamento e também atua no combate ao desperdício no ponto de entrega, pois os produtos que saem para entrega foram previamente encomendados.

Em 2018, as CCR e o LACAF receberam o prêmio de “Boas Prática no Combate à Perda e Desperdício de Alimentos”, concedido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) do Brasil. Em 2022, a iniciativa das CCR também foi premiada pelo projeto “Cinturão+Verde” como iniciativa que promove a adaptação de agricultores/as familiares às mudanças climáticas [6].

No Quadro 1, sistematizou-se os elementos que caracterizam a iniciativa das CCR enquanto uma inovação social, resumindo quais são os aspectos que tornam essa abordagem teórica compatível com a experiência analisada. No que diz respeito aos recursos que propiciaram a iniciativa, podemos destacar fortemente os elementos da RCA, com destaque para a atuação do LACAF e das relações organizativas pré-existentes entre agricultores/as da Rede Ecovida de Agroecologia.

A rede de cidadania agroalimentar em torno das células de consumidores responsáveis

Enquanto inovação socialmente construída, a iniciativas das CCR materializou-se a partir do envolvimento de uma diversidade de atores/as sociais (Figura 1). Os/as atores/as ilustrados contribuíram diretamente na construção e desenvolvimento das CCR. Cada uma destas organizações e instituições possuem sua própria trajetória, e se relaciona com outros/as atores/as sociais. Esta configuração vai ao encontro das ideias de Andion et al. (2017), que elenca que um dos pressupostos para haver um ambiente propício para inovação social expressa-se a partir das dinâmicas que emergem das associações entre múltiplos atores humanos e não humanos (indivíduos, coletivos, organizações, instituições, tecnologias, metodologias etc.) em arenas públicas.

No caso da Região da Grande Florianópolis, a existência de atores/as sociais (Figura 2) mais ou menos engajados na construção de sistemas agroalimentares mais justos e sustentáveis e propiciou a criação e o desenvolvimento das CCR. A esse respeito, a atuação do LACAF tem sido fundamental, na medida em que tem mobilizado e articulado distintos/as atores/as em torno na proposta da CCR. Em decorrência deste processo, muitos desses/as atores/as que não atuam no meio rural passam a despertar mais interesse no tema, a partir de diálogo com outros/as atores/as envolvidos na iniciativa.

O LACAF considerou o conjunto de atores/as atuantes no território no momento de concepção da iniciativa. A mobilização dos/as agricultores/as da Rede Ecovida de Agroecologia, por exemplo, foi importante na formação das CCR, porque a Rede além de congregar uma diversidade de organizações e instituições interessadas no desenvolvimento da produção orgânica, da agroecologia e da agricultura familiar no Sul do Brasil, certifica uma parcela significativa de estabelecimentos da agricultura orgânica na região. Isto pelo fato de em 2007, a legislação brasileira ter formalizado os Sistemas Participativos de Garantia (SPG) (MAPA, 2007), legitimando a Associação Ecovida de Certificação Participativa, entidade que certifica a maioria dos estabelecimentos orgânicos de Santa Catarina (MAPA, 2022). O SPG é um marco legal e institucional, que é referência em nível mundial por considerar o sistema de certificação participativo equivalente à certificação por certificadoras (Caldas & Anjos, 2017).

Vale destacar também a atuação do LACAF na mobilização de distintas instâncias da universidade com o intuito de viabilizar o funcionamento de algumas CCR. A Universidade Federal de Santa Catarina, teve papel relevante neste processo, visto que em três de seus centros universitários tiveram iniciativas criadas (Centro de Ciências Agrárias, o Centro de Ciências da Saúde e o Centro Socioeconômico), locais que favoreceram o acesso de estudantes, técnicos e professores aos alimentos.

Considerações finais

A experiência das CCR demonstra que através da universidade pública, representada na atuação do LACAF, é possível empreender ações de interesse social. A mobilização e articulação de distintos/as atores/as na construção de mercados mais justos e inclusivos para a agricultura familiar agroecológica compreende aspecto chave para o sucesso da experiência. Ademais, seu impacto em termos de quantidades de alimentos transacionados e o engajamento crescente de consumidores/as posiciona-a enquanto uma inovação social agroalimentar.

A iniciativa tem proporcionado o acesso aos alimentos orgânicos a/aos consumidores/as e aumento na renda às famílias agricultoras que, na maioria dos casos, representa o principal canal de comercialização para os/as agricultores/as envolvidos. Esta experiência tem sido catalisadora de demandas e de trajetórias já existentes, na qual o LACAF foi um agente transformador e articulador, mobilizando outras instâncias e atores/as da UFSC e fora dela.

Podemos observar que o processo de construção da iniciativa ativou a conexão entre os/as atores/as, promovendo benefícios que vão além dos produtos gerados. Pois, para além da comercialização de produtos agroecológicos, com o aumento da renda para agricultores e agricultoras e ampliação do acesso ao alimento orgânico, a atuação em rede promovem outros benefícios, que estão relacionados ao fortalecimento das relações e conexões entre os/as atores/as sociais, gerando intercâmbio de informações, maior resiliência e capacidade organizativa. Os/as atores/as sociais conectados em redes possuem maior habilidade em responder às crises e criar soluções coletivas inovadoras


Referencias bibliográficas

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Figura 1. Localização dos grupos de agricultores/as que abastecem CCR e localização das CCR.

Fonte: LACAF (2022).

Figura 2. A rede de atores em torno da iniciativa das CCR. Fonte: Elaborado pelos/a autores/a (2022)..

Quadro 1. Elementos que a caracterizam as CCR enquanto uma inovação social.

Satisfação das necessidades não atendidas:

  • De consumidores/as em adquirir alimentos orgânicos/agroecológicos a preços acessíveis
  • De consumidores/as em conhecer a origem do alimento
  • De agricultores/as em obter mercados

Promoção da inclusão social: na promoção de autonomia e protagonismo para agricultores/as e consumidores/as

Capacitação através do compartilhamento de experiências e conhecimento entre agricultores/as e consumidores/as

Transformação nas relações de poder através da eliminação de intermediários e aprendizado de agricultores/as e consumidores/as para um papel mais ativo e autônomo.

Processos:

  • Aproximação entre consumidores/as e agricultores/as
  • Compartilhamento de experiências entre consumidores/as e agricultores/as
  • Promoção de autonomia para agricultores/as familiares frente as cadeias longas
  • Transformação das relações de poder, distribuindo maior poder para consumidores/as e agricultores/as

Produtos:

  • Redução de desperdícios
  • Melhor remuneração para os agricultores/as
  • Acesso dos/as consumidores/as a alimentos orgânicos/agroecológicos

Estímulo:

  • Necessidade dos agricultores/as de obtenção de mercados
  • Necessidade dos/as consumidores/as de conhecer a origem do produto e comprar orgânicos a preços acessíveis
  • Risco e desconfiança no sistema agroalimentar
  • Risco de não haver mercados que garantam a permanência na agricultura orgânica
  • Oportunidade: mercado consumidor na Grande Florianópolis
  • Oportunidade: projeto CCR conduzido pelo LACAF
  • Desafios logísticos

Recursos:

  • Agente qualificado: LACAF/UFSC
  • Capital relacional local: Rede Ecovida de Agroecologia e RCA

Fonte: elaborado pelos/a autores/a.


[1] O LACAF é um laboratório da Universidade Federal de Santa Catarina, localizado no Centro de Ciências Agrárias e que integra também o Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas (PPGA/CCA/UFSC) e está articulado também do Grupo de Pesquisa Agroecologia e Circuitos de Comercialização de Alimentos (UFSC). O LACAF atua em atividades de ensino, pesquisa e extensão na temática da comercialização de alimentos da agricultura familiar, visando promover mercados justos, com melhores preços para agricultoras/agricultores e tornar os mercados de alimentos orgânicos/agroecológicos mais democráticos por meio da ampliação do acesso a estes alimentos, para os/as consumidores/as. Através da promoção de mercados e de inovações sociais que melhorem as logísticas de comercialização, o LACAF, visa estimular à agricultura orgânica/agroecologia.

[2] Projeto intitulado “Abastecimento de alimentos agroecológicos em cidades populosas: uma tecnologia social de venda direta com educação alimentar”, aprovado e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

[3] As Community-supported agriculture(CSA) presente em vários países, a Association pour le Maintien d'une Agriculture Paysanne da França, assim como várias iniciativas de compras coletivas e grupos de consumo.

[4] São dois modelos de cesta, uma pequena com aproximadamente 4,5Kg, contendo 7 ou mais itens (R$35,00/semana) e uma grande a partir de 7,5Kg, contendo 12 ou mais itens (R$60,00/semana).

[5] São eles com seus respectivos municípios: Agrodea (Imbuia, Ituporanga, Vidal Ramos e Leoberto Leal), Amanacy (Alfredo Wagner), APAOC (Chapadão do Lageado), Associada (Major Gercino, Nova Trento, Angelina e Leoberto Leal), Flor do Fruto (Biguaçu) e Serramar (Orleans, Tubarão, Pescaria Brava, Treviso e Criciúma).

[6] Realizado pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGVces) com apoio e patrocínio do grupo Citi Foundation. Notícia disponível em: https://ufscsustentavel.ufsc.br/2018/11/26/projeto-de-extensao-do-cca-ganha-premio-do-ministerio-do-meio-ambiente/


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